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3
maio
2012
RESERVA DE VAGAS
Supremo reconhece constitucionalidade do ProUni
Por Rafael Baliardo
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em sessão plenária desta quinta-feira (3/5), a constitucionalidade do Programa Universidade para Todos, o ProUni, concebido pelo governo federal em 2004. Por 7 votos a 1, o Plenário concluiu que o programa de acesso ao ensino universitário não fere preceitos constitucionais ao promover a reserva de vagas por critérios sociais e raciais na concessão de bolsas de estudos em universidades particulares a estudantes egressos de escolas públicas.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.330, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e pelo partido Democratas em 2004, começou a ser julgada em abril de 2008 quando o relator, ministro Ayres Britto, votou pela improcedência da ação.
Ao referendar o voto do relator, o ministro Joaquim Barbosa, na retomada do julgamento na tarde desta quinta, lembrou que o custo por aluno beneficiado pelo programa é “bastante baixo” se comparado com que o governo emprega nas intituições públicas de ensino superior e às mensalidades em uma faculdade particular. Barbosa, assim como o relator, afastou as teses de que o programa incorre na não-observância de princípios constitucionais.
Os autores da ação afirmavam que o ProUni agredia os preceitos da autonômia da gestão das universidades, da isonomia entre estudantes e da livre iniciativa. O ministro também não reconheceu a ideia de que o programa incide em incorreções em matéria tributária por prever desoneração fiscal às instiuições credenciadas. Joaquim Barbosa rejeitou o entendimento de que a conversão da Medida Provisória na Lei 11.096/1995, que estabeleceu o programa, atropelou os pressupostos de urgência e relevância reclamados pela lei. Para o ministro, o ProUni é uma “suave tentativa” de enfrentar os “ciclos cumulativos de devantagens competitivas” que o Brasil sempre enfrentou.
A conclusão pela improcedência da ação foi compartilhada pelos colegas que votaram em seguida. A ministra Rosa Weber reportou-se ao julgamento sobre a questão das cotas raciais, ocorrido na semana anterior, para justificar o entendimento recorrente da corte quanto às chamadas “ações afirmativas”. O ministro Luiz Fux também criticou a ideia de que o ProUni dá margem para a supressão da autonomia universitária uma vez que é facultativa a adesão ao programa. Fux também disse que o diploma não agride o princípio da reserva legal, uma vez que as sanções são previstas legalmente e no momento da adesão ao programa pela instituição credenciada.
“A educação é a primeira das necessidades coletivamente sentidas, essencial ao desfrute dos demais direitos”, disse o presidente Ayres Britto ao lembrar que o programa já beneficiou 1 milhão e 43 mil estudantes. Para Britto, devia prevalecer, no julgamento caso, “critérios centralmente sociais”.
Voz dissonante e reconhecendo a maioria formada, o ministro Marco Aurélio fez críticas severas à precariedade com o que o Estado cumpre seu papel de disponibilizar o acesso ao ensino superior público e gratuito. O ministro votou pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade, reconhecendo que a matéria estava mais para uma questão relacionada à iniciativa privada do que ao campo do ensino público. Marco Aurélio mencionou o peso do “politicamente correto” envolvendo a questão, afirmando que, no entanto, deveria prevalecer o que chamou de “politicamente jurídico”.
“É razoável ou aceitável o Estado cuprimentar com o chapéu alheio?”, questionou Marco Aurélio. “É aceitável o Estado proceder dessa forma simplesmente porque não potencializa a viabilização, com maior largueza, do acesso ao ensino universitário em um país cujo ingresso no ensino superior público é tão afunilado? Sabemos da via crucis do vestibular para a universidade pública, logo, é legítimo o Estado utilizar de um poder de pressão maior e compelir a iniciativa privada a fazer o que o Estado não faz?”, insistiu. “O Estado não cumpre seu papel, daí o acesso universitário ser essa carnificina que é o vestibular, esse afiunilamento insuplantável”, afirmou.
O ministro também apontou incorreções na forma como a Medida Provisória foi convertida em lei para institutir o ProUni. De acordo com Marco Aurélio, a Constuição é clara em estabelecer que é vedado disciplinar, através de MP, temas reservados à lei complementar. O ministro reconheceu ainda, citando o pensamento do colega Celso de Mello, o “vício originário” presente na conversão de algumas MPs em lei.
“Devo estar errado, pois sou voz isolada no colegiado, mas esta Medida Provisória convertida em lei atropela o que seria normal, que é o devido trânsito do projeto apresentado pelo próprio Executivo”, disse Marco Aurélio.
O presidente Ayres Britto lembrou que as sanções previstas pelo programa são da ordem do Direito Administrativo e não Penal. Para Britto, a desoneração fiscal das intituições credenciadas se dá por lei que apenas prevê os requisitos para que o estabelecimento de ensino “goze dos devidos favores fiscais” .
O ProUni estabelece, para as instituições que aderem ao programa, isenção de pagamento do Imposto de Renda, da Contribuição Social sobre Lucro Líquido e do Programa de Integração Social.
Último a votar, Gilmar Mendes reiterou que é possível verificar os pressupostos de relevância e urgência na MP que originou o ProUni, uma vez que se tratava de projeto de lei apresentado pelo Executivo que não foi votado apesar do pedido de urgência apresentado pelo governo.
Mendes disse que, quanto a se tratar de matéria reservada a lei complementar, a jurisprudência do STF “harmonizou preceitos constitucionais aparentemente antinômicos”. O ministro citou a decisão na Adin 2.545, de 2002, referente ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), quando o Plenário entendeu que instituições de ensino beneficentes não são obrigadas a custear bolsas de estudo para alunos carentes em até 50% do que deviam pagar à Previdência Social. Para o ministro, o ProUni estabelece um “critério objetivo de registro contábil compensatório da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais”.
Referindo-se ao caso análogo das cotas raciais, Mendes observou também que as vagas reservadas às cotas sequer chegam a ser preenchidas em algumas universidades por conta de “campanhas para constranger o estudante cotista”. O ministro citou o caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde 50% das vagas destinadas a cotistas não são ocupadas. Mendes fez referência ainda a movimentos de pais de alunos contra as cotas, e que as universidades públicas, em sua maioria, são ocupadas por alunos abastados. Corroborando com a visão do colega, os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa afirmaram que a resistência a programas de reserva de vagas é um problema social e que o ProUni, a exemplo das cotas, é uma solução que vem de encontro ao problema.
“São fricções que o próprio processo cultural dá conta”, disse Ayres Britto sobre a desaprovação de setores da sociedade para com o ProUni. “Progamas do tipo escancaram a doença presente no sistema educacional brasileiro , algo que sempre foi escamoteado”, declarou Joaquim Barbosa.
Vencido, o ministro Marco Aurélio reconheceu vício formal na lei que criou o ProUni, tanto por se tratar de matéria reservada a lei complementar quanto pela ausência de critérios de urgência e relevância. Votaram pela improcedência da ADI, além de Ayres Britto e Joaquim Barbosa, os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. A ministra Cármem Lúcia declarou-se impedida, e os ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello não participaram da sessão.
Fonte: Conjur.