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Acabou a quarentena no Rio Grande do Sul!

Bem que poderia ser verdade, pois assim todos, pessoas físicas e jurídicas, estaríamos retomando o controle de nossas vidas. Mas, infelizmente, o título deste artigo é só um desejo, ou uma brincadeira do dia 1º de abril, de mau gosto reconhecemos, especialmente na atual conjuntura.

A verdade, nua e crua, é que, certo ou errado, o Governo do Estado Rio Grande do Sul intensificou as restrições na quarentena do coronavírus, através do Decreto nº 55.154, de 1º de abril de 2020, que revogou os Decretos anteriores, promovendo verdadeira Consolidação dos Decretos em único regramento, evitando interpretações contraditórias e lacunas. Vejamos os principais pontos.

O novo Decreto reiterou a declaração de estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo coronavírus, determinando medidas sanitárias, de adoção obrigatória por todos, dentre outras, a observância:

a) do distanciamento social, com restrição de circulação, visitas e reuniões presenciais (aglomerações) de qualquer tipo ao estritamente necessário;

b) de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos, antes e após a realização de quaisquer tarefas, com a utilização de produtos assépticos, como sabão ou álcool em gel setenta por cento, bem como da higienização, com produtos adequados, dos instrumentos domésticos e de trabalho;

c) de etiqueta respiratória, cobrindo a boca com o antebraço ou lenço descartável ao tossir ou espirrar;

d) para estabelecimentos comerciais e industriais, restaurantes, bares e lanchonetes, quando permitido o seu funcionamento, além das regras sanitárias, a adoção de sistemas de escalas, de revezamento de turnos e de alterações de jornadas, para reduzir fluxos, contatos e aglomerações de seus funcionários, e afastamento destes quando houver suspeita de possível contaminação pelo coronavírus, quando do regresso de localidades em que haja transmissão comunitária ou quando apresentem sintomas da doença.

Apenas por curiosidade, o Decreto descreveu os sintomas de contaminação pelo COVID-19 (novo Coronavírus), quais sejam: febre, tosse, dificuldade para respirar, produção de  escarro, congestão nasal ou conjuntival, dificuldade para deglutir, dor de garganta, coriza, saturação de O2  <  95%, sinais de cianose, debatimento de asa de nariz, tiragem  intercostal  e dispneia. Isso porque, como veremos, impôs o afastamento de empregados de empresas privadas e servidores públicos que apresentem sintomas da doença. Ou seja, a descrição dos sintomas claramente pretende conferir segurança jurídica a eventuais afastamentos.

Ainda, PROIBIU a abertura para atendimento ao público, em caráter excepcional e temporário, dos estabelecimentos COMERCIAIS em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, considerando como estabelecimentos COMERCIAIS todo e qualquer empreendimento mercantil dedicado ao comércio ou à prestação de serviços, tais como lojas, centros comerciais, teatros, cinemas, casas de espetáculos, dentre outros, que impliquem atendimento ao público, em especial, mas não só, os com grande afluxo de pessoas, EXCETO:

1) os que desempenhem atividades consideradas essenciais, cujo fechamento fica proibido, relacionando-as, dentre outras:

a) transporte de passageiros e de cargas;

b) produção, distribuição, transporte, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, de higiene, de alimentos e de bebidas;

c) serviços funerários;

d) prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;

e) serviços de pagamento, de crédito e de saque e de aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil;

f) atividades relacionadas à construção, manutenção e conservação de estradas e de rodovias;

g) produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, de gás liquefeito de petróleo e de demais derivados de petróleo;

h) serviços agropecuários, veterinários e de cuidados com animais em cativeiro;

i) produção, distribuição e comercialização de equipamentos, de peças e de acessórios para refrigeração, serviços de manutenção, conserto e reparos de aparelhos de refrigeração, de elevadores e de outros equipamentos essenciais ao transporte, à segurança e à saúde, bem como à produção, à industrialização e ao transporte de cargas, em especial de alimentos, medicamentos e de produtos de higiene;

j) serviços de hotelaria e hospedagem, observadas as regras sanitárias;

l) atividades acessórias e de suporte indispensáveis às atividades e aos serviços essenciais, tais como atividades e serviços de limpeza, asseio e manutenção de equipamentos, instrumentos, vestimentas e estabelecimentos; de produção, importação, comercialização, transporte, disponibilização, reparo, conserto, substituição e conservação de equipamentos, implementos, maquinário ou qualquer outro tipo de instrumento, vestimentas e estabelecimentos; de produção, importação, comercialização, transporte e disponibilização de todo e qualquer tipo de insumos, em especial os químicos, petroquímicos e plásticos; de produção, importação, comercialização, transporte e disponibilização de todo e qualquer tipo de peças para reparo, conserto, manutenção ou conservação de equipamentos, de implementos, de maquinário ou de qualquer outro tipo de instrumento, de vestimentas e de estabelecimentos; de coleta, processamento, reciclagem, reutilização, transformação, industrialização e descarte de resíduos ou subprodutos de animais, tais como, dentre outros, curtumes e graxarias.

2) atividades estritamente de tele-entregas e “take-away” (pague e leve), vedada a aglomeração de pessoas;

3) atividades industriais de qualquer tipo, inclusive da construção civil, vedado o atendimento ao público que importe aglomeração ou grande fluxo de clientes;

4) atividades que forneçam insumos às atividades essenciais ou à indústria, inclusive a da construção civil, vedado o atendimento ao público que importe aglomeração ou grande fluxo de clientes;

5) estabelecimentos de prestação de serviços, ainda que não essenciais, que não atendam ao público.

Também, PROIBIU, em caráter excepcional e temporário, a realização de eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, missas e cultos, com mais de trinta pessoas, observado, nos casos permitidos, um distanciamento interpessoal mínimo de dois metros entre os participantes, bem como as regras sanitárias e de redução de aglomerações.

Ainda, determinou a SUSPENSÃO excepcional e temporária das aulas, cursos e treinamentos presenciais em todas as escolas, autoescolas, faculdades, universidades, públicas ou privadas, municipais, estaduais ou federais, e demais instituições de ensino, de todos os níveis e graus, bem como em estabelecimentos educativos, de apoio pedagógico ou de cuidados a crianças, incluídas as creches e pré-escolas, situadas em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul.

Manteve a INTERDIÇÃO excepcional e temporária de todas as praias do litoral e das águas internas do Estado do Rio Grande do Sul, para evitar a debandada de moradores de cidades do interior e região metropolitana para o litoral gaúcho, que se verificou no início da quarentena.

AUTORIZOU que lojas de conveniência dos postos de combustível:

a) localizadas em estradas e rodovias, funcionem em qualquer dia e horário;

b) as demais, funcionem somente no intervalo compreendido entre às 7h e às 19h, vedada a abertura aos domingos.

Em ambos os casos, vedou a aglomeração de pessoas nos espaços de circulação e dependências dos postos de combustíveis e suas lojas, abertos e fechados.

DETERMINOU que os estabelecimentos comerciais fixem horários ou setores exclusivos para atendimento de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) e aqueles de grupos de risco, para evitar a exposição ao contágio pelo coronavírus.

PROIBIU que produtores e fornecedores de bens ou de serviços essenciais à saúde, à higiene e à alimentação elevem, excessivamente, o seu preço ou exijam do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem como DETERMINOU que fornecedores e comerciantes estabeleçam limites de quantidade na aquisição de bens essenciais à saúde, à higiene e à alimentação, sempre que necessário para evitar o esvaziamento do estoque de tais produtos.

No transporte coletivo de passageiros, público e privado, em todo o território gaúcho:

a) urbano e rural, qualquer que seja o modal, DETERMINOU seja realizado sem exceder à capacidade de passageiros sentados, portanto proibido o transporte de passageiros em pé, a fim de evitar aglomerações;

b) intermunicipal, seja realizado sem exceder à metade da capacidade de passageiros sentados;

c) PROIBIU o ingresso e circulação no território estadual de veículos terrestres de transporte coletivo de passageiros oriundos de outros estados ou de países estrangeiros, exceto:

1) repatriação de estrangeiros, mediante autorização prévia da Secretaria da Segurança Pública;

2) transporte de funcionários das empresas e das indústrias ou para as atividades de colheita de gêneros alimentícios em veículo fretado, devidamente identificado, desde que observados o limite de passageiros;

3) transporte de servidores públicos civis e militares convocados para atuar na prevenção e enfrentamento à epidemia.

Ainda:

a) MANTEVE a vedação de restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento das atividades e dos serviços essenciais;

b) PROIBIU que autoridades estaduais ou municipais determinem o fechamento de agências bancárias, desde que estas adotem as providências necessárias para garantir um distanciamento interpessoal mínimo de dois metros entre seus clientes e observem as regras sanitárias e de redução de aglomerações, assegurem a utilização pelos funcionários encarregados de atendimento direto ao público do uso de Equipamento de Proteção Individual –EPI, e estabeleçam horários, agendamentos ou setores exclusivos para atender idosos e pessoas de grupos de risco;

c) AUTORIZOU a abertura de aeroclubes e aeródromos, inclusive dos seus serviços de manutenção e de fornecimento de combustível, para utilização de aeronaves privadas em missões humanitárias, vedada a realização de aulas ou cursos presenciais;

d) PROIBIU que autoridades estaduais ou municipais determinem o fechamento dos serviços de manutenção, de reparos ou de consertos de veículos, de equipamentos e de pneumáticos, bem como serviços dedicados à comercialização, distribuição e fornecimento de peças, combustíveis, alimentação e hospedagem a transportadores de cargas e de passageiros, especialmente os situados em estradas e rodovias, inclusive em zonas urbanas, desde que observadas as regras sanitárias e de redução de aglomerações;

e) MANTEVE a suspensão dos prazos de defesa e recursais no âmbito dos processos da administração pública estadual direta e indireta, renovando automaticamente os Alvarás de Prevenção e Proteção Contra Incêndios – APPCI que vencerem nos próximos noventa dias, que serão considerados renovados automaticamente até 19/06/2020.

Ainda, no que se refere aos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, além de outras medidas, PROIBIU a adoção de medidas restritivas ao exercício das atividades essenciais de que trata o Decreto estadual, bem como ao ingresso e à saída de pessoas e veículos de seus limites territoriais, para continuar evitando a construção de “barricadas” pelos prefeitos, como ocorreu quando da publicação do primeiro Decreto de Calamidade, que não queriam que pessoas de outros Municípios “invadissem suas cidades”, o que, sabidamente, fere o direito constitucional de livre locomoção.

Como afirmado no artigo anterior, na ocorrência de eventuais conflitos entre leis, as de maior hierarquia, a princípio, tem preponderância sobre as de menor hierarquia, ou seja, as normas federais prevalecem sobre as estaduais e estas sobre as municipais. Para afastar o conflito de normas de hierarquia diversa, o Decreto MANTEVE a suspensão da eficácia das determinações municipais que conflitem com as normas estabelecidas no Decreto estadual, ressalvando a atribuição municipal para dispor sobre medidas sanitárias de interesse exclusivamente local e de caráter supletivo (complementar) ao Decreto estadual.

As medidas sanitárias vigorarão até 30/04/2020, exceto o fechamento dos estabelecimentos comerciais, que vigorará até o dia 15/04/2020.

Obviamente que todas essas medidas dependem da evolução da pandemia no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul. Sabemos que a realidade muda de um dia para outro, sendo os prazos definidos meras previsões, que poderão ser flexibilizados ou ampliados conforme as circunstâncias. O que nos resta? Infelizmente, aguardar.

Ricardo Luís Schultz Adede y Castro – OAB/RS 58.941

 

 

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