Em março de 2013, foi promulgada a Lei 12.734/2012, que determinou novas regras de distribuição, entre os entes da Federação, dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
De acordo com o Decreto 2.705/1998, os royalties constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural e devem ser pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção. Já a participação especial constitui compensação financeira extraordinária devida nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade e deve ser paga, com relação a cada campo de uma dada área de concessão, a partir do trimestre em que ocorrer a data de início da respectiva produção.
Tais participações governamentais são devidas aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, nos termos do parágrafo 1º do artigo 20 da Constituição de 1988.
Diante da promulgação da nova lei surge a seguinte indagação: o novo marco regulatório da distribuição dos royalties e da participação especial viola o direito adquirido dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo à continuidade do recebimento dessas receitas, na forma da legislação anterior?
Para responder a essa indagação, inicialmente, importa falar sobre o regime legal de distribuição das participações governamentais. Em seguida, será abordada a temática referente ao contrato de concessão de exploração de petróleo e, por fim, será analisado se a nova lei fere o direito adquirido dos referidos Estados[1].
Regime legal
O artigo 20, parágrafo 1º da CF, traz a previsão das participações governamentais devidas em razão da exploração do petróleo, verbis:
Art. 20 (…)
Parágrafo 1º É assegurado, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
Inicialmente, cumpre observar que o supracitado dispositivo constitucional faz menção a “respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva”. Destaque-se que plataforma continental, mar territorial e zona econômica exclusiva são bens pertencentes à União, nos termos do artigo 20, V, VI e IX da CF/88, não se podendo falar em território estadual ou municipal nessas áreas.
Enquanto o petróleo estiver no solo ou subsolo, ele pertence à União. Os royalties e a participação especial só são devidos após a extração do produto pelo concessionário. No que tange à plataforma continental, ela compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas do Brasil, além do seu mar territorial, até a distância de 200 milhas marítimas ou em toda a extensão do prolongamento natural do território nacional até a borda exterior da margem continental.
Dessa forma, não há território estadual ou municipal na plataforma continental. Só se pode falar em território nacional até a borda do mar territorial. Como a produção do petróleo e gás natural na Bacia de Campos e na Bacia de Santos ocorre em áreas localizadas depois dessa borda, não se pode afirmar, sob esse aspecto, que Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo sejam produtores do petróleo. Eles devem ser considerados tão somente entes federativos confrontantes com poços produtores de petróleo ou afetados por operação de embarque e desembarque de petróleo ou gás natural.
No que tange ao regime jurídico de distribuição de participações governamentais fixado pelo constituinte, certo é que ele decorre da lei. O pagamento de royalties, aos estados e municípios, pela produção de petróleo foi estabelecido antes da Constituição de 1988, pela Lei 2004/1953, que criou a Petrobrás, com alíquota de 5%. Posteriormente foram editadas as Leis 7.453/1985 e 7.990/1989, sendo que em ambas já havia a extensão da destinação de royalties a entes federativos não confrontantes, uma vez que foi destinado percentual ao Ministério da Marinha e a Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados e municípios.
Com o fim da execução do monopólio estatal da exploração e da produção por parte da Petrobras, foi publicada a Lei 9.478/1997, que introduziu o regime de concessão, aumentou para 10% a alíquota dos royalties e criou a participação especial.
De 1997 a 2012, várias circunstâncias ganharam relevo e levaram à alteração da legislação então vigente a respeito da distribuição dos royalties e da participação especial.
Percebeu-se que os entes federativos confrontantes recebiam elevadas receitas de royalties e de participação especial porque era feita uma associação indevida entre a confrontação e as perdas e danos decorrentes da atividade petrolífera na plataforma continental. Desde a origem da regulamentação da matéria, o cálculo dos royalties e participações tem sido efetuado com base no resultado econômico da produção, independentemente da efetiva ocorrência de dano e do prejuízo concretamente sofrido. Ademais, as unidades estacionárias de produção passaram a se localizar em áreas cada vez mais distantes do litoral e em águas cada vez mais profundas, deixando de estar conectadas ao continente por oleodutos.
Houve, também, um grande crescimento da produção do petróleo, o que gerou um grande aumento de arrecadação de royalties e de participação especial não previsto quando da promulgação da CF/88. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) afirma que a produção de petróleo tem mantido uma tendência de crescimento anual, sendo que, apenas no ano de 2012, foram produzidos 754,409 milhões de barris, o que gerou uma arrecadação de participações governamentais na ordem de mais de 30 bilhões de reais.
Nesse contexto, foi promulgada a Lei 12.734/2012, que passou a destinar importantes percentuais de royalties e de participação especial decorrentes da produção marítima do petróleo no regime de concessão a todos os estados e municípios brasileiros, por meio dos fundos especiais. Os estados e municípios confrontantes aos poços tiveram uma queda gradual no percentual das participações governamentais, mas o seu percentual continuou sendo superior aos demais entes não confrontantes.
Destaque-se que a alteração legislativa promovida pela Lei 12.734/2012 se deu em relação à exploração de petróleo na plataforma continental, que é bem da União, e não à lavra em terra.
Dos contratos
Tais contratos são celebrados pela empresa vencedora da licitação e a União, representada pela ANP, e têm por objeto os direitos e deveres das partes. Nos termos do artigo 26 da Lei 9.478/1997, a concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens.
Logo, a distribuição de royalties e participação especial entre os entes federados não é objeto do contrato, em razão dessa distribuição ser estabelecida nos termos da lei, conforme exposto no tópico anterior.
Somente caberá ao concessionário a propriedade do petróleo e gás natural que venham a ser efetivamente produzidos e por ele recebidos no ponto de medição de produção. Deve-se considerar, ainda, que os royalties são apurados mensalmente com base em variáveis, tais como o preço mensal do petróleo e seu volume de produção, bem como os riscos inerentes à própria exploração, nos termos do artigo 47 da Lei 9.478/1997.
Assim, os novos percentuais contemplados pela Lei 12.734/2012 somente serão calculados com base no petróleo extraído após a entrada em vigor da nova legislação. Nesse sentido, os entes federativos só farão jus aos royalties e à participação especial quando efetivar-se a produção dos bens da União, segundo o regime jurídico fixado pela lei sob a qual ocorrer a produção de petróleo.
Da inexistência de violação ao direito adquirido
Não há que se falar em desrespeito ao direito adquirido com a aplicação das novas regras de distribuição dos royalties e da participação especial aos contratos de concessão em andamento para a exploração do petróleo.
Importa enquadrar o fato “recebimento dos royalties e da participação especial pelos entes federativos confrontantes”, sob a ótica do Direito Intertemporal, como um fato pendente. Caracteriza-se como um fato pendente, pois os entes confrontantes iniciaram o recebimento dos royalties sob um determinado regime jurídico existente no momento da celebração dos contratos de concessão entre a União e as empresas concessionárias, disciplinado pelas Leis 9.578/1997 e 12.351/2010 em suas redações originais, e continuarão recebendo as referidas participações governamentais sob o regime jurídico determinado pela nova redação conferida pela Lei 12.734/2012.
Entende-se que o fenômeno do Direito Intertemporal mais adequado para a resolução do conflito de leis no tempo, na presente situação, seria a imediatidade, sob a modalidade específica da retrospectividade. Ressalte-se que a nova lei, ao contrário do sustentado pelos estados confrontantes, não trouxe dispositivos de caráter retroativo.
Na retrospectividade, os eventos enfocados pelo pressuposto da norma legal retrospectiva, veiculada pela lei nova, foram produzidos antes de sua entrada em vigor. A lei nova, na verdade, atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente. Efeitos esses que não eram previsíveis ao tempo da ocorrência do fato.
Defende-se, portanto, a ocorrência da retrospectividade no presente caso, justamente em razão de a Lei 12.734/2012 ter atribuído novos efeitos jurídicos relacionados aos royalties e à participação especial, no que tange aos contratos de concessão firmados antes de sua edição, efeitos esses que não eram previsíveis ao tempo da ocorrência do fato, justamente porque os royalties somente são devidos depois que o produto é extraído pelo concessionário e são apurados mensalmente em bases variáveis.
Ademais, sustenta-se que tais efeitos não eram previsíveis, em razão de o regime jurídico relacionado aos royalties ser justamente um regime legal, passível de alteração, e não contratual. Assim, não se mostra razoável afirmar-se que um estado da federação tenha o direito adquirido a continuar recebendo o percentual devido a título de royalties de acordo com o regime jurídico anterior.
De acordo com a jurisprudência do STF, não há direito adquirido a regime jurídico. Assim, em sendo a relação jurídica entre os entes federativos e a exploração de petróleo ou gás natural proveniente de um estatuto legal, esse estatuto pode ser modificado a qualquer tempo, não sendo possível invocar direito adquirido para reivindicar a continuidade de um modelo jurídico referente aos pagamento de royalties e de participação especial. Importa destacar que o STF seguiu esse mesmo raciocínio ao julgar a constitucionalidade da aplicação das novas regras de inelegibilidade trazidas pela “Lei da Ficha Limpa” a fatos iniciados ou ocorridos antes de sua edição, através do julgamento das ADCs 29 e 30, por entender inexistir direito adquirido a regime jurídico eleitoral, fixado pela lei.
No que tange ao conceito de direito adquirido, pode-se afirmar que o núcleo essencial do direito adquirido corresponde ao seguintes elementos: 1) o direito mencionado no conceito de direito adquirido refere-se ao direito subjetivo, ou seja, ao direito concreto; 2) é indispensável que o direito, durante a vigência da lei anterior, tenha se tornado elemento ou parte do patrimônio individual para ser considerado adquirido; 3) o direito, para ser considerado adquirido, deve ser consequência de um fato aquisitivo.[2]
Ora, o recebimento dos royalties e da participação especial corresponde à adequação do Estado da federação ao regime jurídico instituído para esse fim. Nesse sentido, ao ser firmado um contrato de concessão para a exploração do petróleo, a compensação financeira devida deve aderir ao estatuto jurídico que regulamenta a distribuição das participações governamentais.
Portanto, a sua adequação a esse estatuto, no momento em que foram firmados os contratos de concessão, não ingressa no patrimônio jurídico dos entes federativos. Caso haja alteração nesse regime jurídico, tal como houve no presente caso, deve a lei nova ser aplicada imediatamente aos contratos de concessão pendentes, devendo, por consequência, ser readequados os critérios de distribuição dos royalties e da participação especial.
Não há, portanto, ofensa ao direito adquirido com a incidência imediata da Lei 12.734/2012 aos contratos de concessão pendentes. Há, no máximo, expectativa de direito dos entes federativos confrontantes a continuarem recebendo as participações governamentais, segundo os critérios estabelecidos pelo regime jurídico anterior.
Sustenta o Rio de Janeiro que importantes programas sociais do estado deixarão de ser custeados, em razão da perda da arrecadação de royalties com o novo regime jurídico. Alega, ainda, que a amortização de sua dívida junto à União é refinanciada justamente com a cessão de créditos de royalties e participações.
Pode-se, sob esse aspecto, afirmar que não há direito adquirido do estado do Rio de Janeiro à percepção dos royalties de acordo com o percentual anterior, para custear seus programas sociais e dívidas. Tinha o Rio de Janeiro expectativa de direito de que, caso declarada a comercialidade, caso fosse aprovado o plano de desenvolvimento da área e caso fosse ocorrer a produção, eles teriam asseguradas suas participações governamentais, nos termos da legislação anterior, para arcar com seus custos e dívidas diversos. Contudo, isso não corresponde a direito adquirido.
Há também que se destacar que a análise acerca da existência, ou não, de violação ao direito adquirido diante da promulgação de uma nova lei deve levar em consideração os interesses conflitantes na situação, tendo em vista a função social, uma vez que o núcleo essencial do direito adquirido deve corresponder à sua função social[3].
Com a edição da Lei 12.734/2012, alcançou-se a função social, justamente por atender-se ao princípio da solidariedade federativa e possibilitar-se aos entes não confrontantes o recebimento de percentual que poderá ser utilizado em prol de seu desenvolvimento e crescimento, contribuindo, assim, para o desenvolvimento nacional como um todo, para erradicar a pobreza e a marginalização e para reduzir as desigualdades regionais e sociais, nos termos fixados nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no artigo 3º da CF/88.
Ademais, a incidência imediata das inovações trazidas pela Lei 12.734/2012 não surpreenderá bruscamente os entes confrontantes, uma vez que, apesar da redução do percentual outrora destinado, simultaneamente ocorrerá o aumento da produção de petróleo, conforme já exposto acima.
Por derradeiro, conclui-se que um direito adquirido somente deve ser reconhecido se este reconhecimento também beneficiar a coletividade como um todo. Se o seu reconhecimento destinar-se, única e exclusivamente, ao atendimento de interesses individuais e trouxer prejuízos à coletividade, ele poderá sofrer restrições e outro princípio poderá ser-lhe superior.[4]
[1] Os dados de ordem técnica apresentados nesse artigo foram retirados do sítio eletrônico da Agência Nacional do Petróleo (http://www.anp.gov.br) e da Nota Técnica da Consultoria Legislativa da Câmara, da área de recursos minerais, hídricos e energéticos, escrita sobre o tema, disponível em http://www.aslegis.org/2013/04/os-royalties-do-petroleo-lei-n.html.
[2] Cf. ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira. Direito adquirido: uma questão em aberto. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 120.
[3] Cf. ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira, op. cit., pp. 200-203.
[4] Cf. ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira, op. cit., p. 203.
Fonte: Conjur.