Jurí­dicas

Reforma do PIS e da Cofins deve ser debatida com a sociedade organizada

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em seu encontro periódico do Observatório da Reforma Tributária, no último dia 25 de maio, promoveu o debate sobre a provável Reforma das contribuições ao PIS e Cofins. Elas juntas têm o peso de aproximadamente R$ 250 bilhões por ano, equivalente a 5% do PIB brasileiro e representam também parcela significativa do contencioso fiscal da União.

O conteúdo das discussões teve como base um rascunho do projeto de lei apresentado pelo governo em 2014 a alguns setores da sociedade civil e também os recentes pronunciamentos do Ministro da Fazenda Joaquim Levy. Eis os principais pontos que foram submetidos à mesa de debates:

(i) Crédito Financeiro: Pela nova proposta do governo, as contribuições passariam a adotar um critério de desconto de créditos com maior amplitude, sem restrição à natureza do gasto ou despesa. Neste novo design, o PIS e a Cofins permitiriam o crédito financeiro, sobre despesas como uso e consumo, matéria prima, produtos intermediários, embalagens, independentemente de sua finalidade. Esse ponto obteve ampla convergência do NEF, que expressou o seu apoio à proposta do governo. O novo modelo aperfeiçoa o sistema atual de creditamento, ampliando-o e simplificando-o. O NEF foi unânime na ponderação de que o novo modelo será acompanhado de aumento de alíquota, mas ressaltou que este aumento deve-se pautar no princípio da neutralidade, sem aumento de carga tributária. O grupo ressaltou, ainda, que o modelo proposto certamente contribuirá para eliminar parcela significativa do contencioso que, atualmente, envolve as contribuições.

(ii) Restrição do Modelo cumulativo apenas às receitas financeiras das instituições financeiras e migração do atual sistema de créditos “base contra base” para o formato “imposto contra imposto”: segundo o governo, esse novo modelo permitiria corrigir loopholes do sistema que autorizam alguns contribuintes a adquirir os seus insumos sob a alíquota cumulativa de 3,65% e descontar um crédito de 9,25%, repercutindo em distorções na economia e desequilíbrios concorrenciais. De igual forma, houve convergência do NEF sobre tal ponto, que prestigia a isonomia tributária e a eficiência econômica.

(iii) Mudança inicial concentrada apenas no PIS: Inicialmente, sugere-se uma mudança apenas na legislação do PIS, com elevação da alíquota, de modo a manter a neutralidade das receitas tributária. Em um segundo momento, haverá a consolidação das mudanças para a Cofins, unificando os dois tributos em uma contribuição única sobre o valor agregado. A mudança gradual e sem surpresas foi apoiada pelo NEF com ressalvas, devendo ser estabelecido um prazo de pelo menos 12 meses para a entrada em vigor do novo marco legal, permitindo que os agentes econômicos possam se reequilibrar, repactuar seus contratos e preços de mercado, tendo em vista a correção de base tributária. Além disso, ponderou-se que o prazo de “teste” do modelo a partir do PIS deve também servir ao propósito de analisar possíveis distorções desse aumento em determinados setores, permitindo que haja correções antes da unificação das contribuições.

(iv) Extinção dos regimes de créditos presumidos e regimes tributários setoriais. Sobre este ponto, há a necessidade de uma maior reflexão e discussão no âmbito NEF. Há uma tendência do NEF de apoio à proposta do ministro Joaquim Levy no sentido de eliminar regimes de exceções e a redução de tratamentos idiossincráticos, mas as extinções indiscriminadas não são apoiadas, devendo ser avaliadas com bastante cautela as particularidades de setores estratégicos da economia do país.

Essas são apenas as discussões iniciais no âmbito do NEF e que devem também se multiplicar em outros importantes fóruns. Os pontos de discussão serão ainda mais aprofundados e assertivos caso a Administração Tributária proporcione a abertura do debate à Sociedade Civil, previamente ao encaminhamento do Projeto de Lei ao Congresso Nacional.

Instrumentos para a operacionalização desse debate aberto já existem, a exemplo das Consultas Públicas sobre minutas prévias de Instruções Normativas, conforme autoriza a Portaria RFB 35, de 7 de janeiro de 2015. A postura recente da Receita Federal do Brasil foi um exemplo de maturidade institucional democrática, ao permitir a manifestação dos contribuintes, previamente à edição de atos normativos.

Com efeito, o Estado Democrático de Direito Brasileiro deve ser marcado pela participação da sociedade em todas as decisões estatais e não apenas pela sua representação formal através da composição dos membros do Poder Legislativo.

Em todas as dimensões estatais, Judiciário, Executivo, Legislativo deve haver a intensa participação da sociedade organizada, influenciando as decisões, fato que demonstrará o amadurecimento da democracia brasileira, rumo a uma democracia participativa, como nos lembra Álvaro Ricardo de Souza Cruz[1].

Ademais, a amplitude do debate prestigia a transparência que é uma das características principais de um bom sistema tributário. “O sistema tributário deve ser concebido de modo que o indivíduo possa verificar o que está pagando e avaliar com precisão se o sistema está refletindo as suas preferências.”[2]

Por todo o exposto, exortamos as autoridades tributárias que abram um amplo canal de diálogo sobre a reforma do PIS e da Cofins, permitindo a apresentação de sugestões de entidades representativas da sociedade civil, com vistas ao aperfeiçoamento da redação a ser encaminhada ao Congresso. Certamente, essa postura será bastante producente para a qualificação e legitimação da proposta, contribuindo para o melhor encaminhamento do assunto no âmbito Legislativo, a uma melhor absorção das mudanças pelos agentes econômicos e, por conseguinte, a um passo adiante no sentido da eficiência econômica da tributação, que não merece ser apenas vista como instrumento de geração de receitas, mas como mecanismo associado com o almejado desenvolvimento econômico e social.

[1] Cruz, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey. 2004.

[2] Joseph Stiglitz, Economics of The Public Sector, W.W. Norton & Company Ltd., terceira edição

 

Fonte: Conjur.

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