Terminou com farol baixo o Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado recentemente na capital paulista. Seus participantes ficaram com a impressão de estar discutindo os mesmos problemas há anos, sem avanço na agenda. Percebem o enfraquecimento do Ministério da Agricultura. Parece até que a agricultura não tem importância na vida nacional.
Essa frustração pega longe. Nas fronteiras do Centro-Oeste, onde mais brilha a produção agropecuária, os produtores rurais não conseguem entender por que razão as ferrovias, hidrovias e rodovias nunca saem do papel. Estatísticas são conhecidas e consequências, avalizadas: sem boa logística os ganhos de produtividade dentro da porteira se esvaem pelos tortuosos e esburacados caminhos pós-colheita. Fora os discursos, nada acontece.
Assim como não anda, ao contrário, regride, a agricultura energética. Avançam as energias renováveis em todo o mundo, com decidido apoio público; por aqui, no país campeão mundial da fotossíntese, se estimulam os combustíveis fósseis. Mata-se o etanol, nossa “galinha dos ovos de ouro”. Nos grãos, anuncia-se com estardalhaço crédito farto para o plantio, mas o seguro rural continua fora do jogo. Resultado: mais endividamento, menos garantia na renda agrícola.
A pesquisa com biotecnologia, que deveria deslanchar, encontra-se freada no acesso aos recursos genéticos da biodiversidade. Problemas variados. Fiscais do trabalho enxergam escravos onde bem entendem. Indígenas aculturados, apoiados pelo governo, tornam-se invasores de terras lavoradas, enquanto verdadeiros índios, abandonados pelo mesmo governo, desfalecem nas aldeias. Aumenta a insegurança jurídica da propriedade rural.
Se não fosse a pujança do campo, a economia brasileira estaria bem pior. No primeiro trimestre de 2013 o setor rural cresceu 9,7%; os serviços, 0,5%; e a indústria mostrou queda de 0,3%. A balança comercial do agronegócio no ano passado apresentou um superávit de US$ 79,4 bilhões, no mesmo período a indústria registrou déficit de US$ 94,9 bilhões. Quer dizer, os agronegócios pagam as contas externas do País. Em retribuição, migalhas.
Na geração de empregos, cerca de 15 milhões de pessoas trabalham nas atividades agrícolas, quase 20% da população economicamente ativa (PEA). Para comparação, nos EUA apenas 2,7% da PEA milita no agro. Embora o avanço da tecnologia, principalmente a mecanização, poupe emprego, a demanda por gente qualificada segue firme, principalmente nas recentes zonas de expansão agropecuária, onde faltam tratoristas, mecânicos, serviçais variados. Existe um verdadeiro “apagão de mão de obra”.
Por que a agricultura brasileira, sendo tão importante, recebe pouca atenção da sociedade? Por que a política pública desmerece o campo? As respostas devem ser buscadas em sua representação simbólica: a imagem. Aqui reside o xis da questão. Na Europa e nos EUA a sociedade olha o campo de forma positiva, sabendo que sua permanência na terra propicia a segurança alimentar. Ademais, manter a população no campo significa menos disputa pelo emprego na cidade.
No Brasil, infelizmente, ao invés de valorizar, a urbe desdenha o campo. Em que pese a modernidade ter avançado, a opinião pública nacional ainda mantém uma imagem atrasada, quase sempre negativa, do mundo rural. Que razões levam a sociedade brasileira a menosprezar, a quase esquecer sua agricultura? Por que, ao contrário dos países desenvolvidos, nosso setor rural se encontra tão estigmatizado?
Difíceis são as respostas. Primeiro, a ocupação histórica. O Brasil iniciou sua agricultura com base no latifúndio e na escravidão. Os coronéis do sertão e, depois, a oligarquia agrária formaram um contraste marcante da opulência com a miséria rural. Mais tarde, já nos anos 1950, ao latifúndio, juntamente com o imperialismo, se imputou todo o mal que freava o progresso da Nação. Essa carga histórica, e ideológica, pejorativa permanece até hoje na consciência coletiva, sendo cultivada nos rançosos livros escolares. A imagem repudiada de outrora ofusca o brilho do presente.
Envolve, também, razões culturais. O Brasil rapidamente transitou de sociedade agrária para industrializada. O violento êxodo rural inchou as cidades. Novos valores, urbanos, passaram a predominar fortemente, sem tempo para acomodações. Resultado: a agricultura virou sinônimo de passado. Os famosos filmes de Mazzaropi, a começar do impiedoso Jeca Tatu (1959), ajudaram a substituir a imagem bucólica pelo preconceito.
No ambientalismo também se encontram justificativas. O Brasil ainda incorpora fronteiras agrícolas – e, portanto, derruba florestas e cerrados – numa época em que a consciência ecológica domina a elite da civilização pós-industrial. Antes, desmatar era sinônimo de progresso; agora, de destruição. Para não falar do uso descuidado de agrotóxicos, que macula a estampa da agricultura.
Como mudar essa situação? Como mostrar à sociedade que a agricultura não é problema, e sim solução para o Brasil?
O desafio passa pela melhoria da comunicação. Mas, com ela, deve-se implementar a lição de casa, e esta atende pelo nome de “agricultura sustentável”. Mais, ainda: o ruralismo precisa renovar suas lideranças para se conectar com a juventude, trocar o discurso tradicional, chorão, pela atitude proativa. Investir no marketing para fortalecer sua posição na sociedade.
Maurício de Souza anunciou recentemente que Chico Bento vai estudar Agronomia. Que legal! Tomara que a inspiração dos quadrinhos traga uma mensagem positiva sobre nossa agricultura. Pode manter o sotaque puxado. Não pode discriminar.
*Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br