Para cientistas políticos, a composição da Câmara dos Deputados eleita neste domingo (5/10) terá perfil mais conservador. De acordo com os especialistas, isso terá reflexos na pauta de propostas analisadas no Congresso e na relação direta do Legislativo com o Executivo, a partir do próximo ano.
Um dos aspectos da próxima legislatura da Câmara já detectado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) é a redução da bancada de sindicalistas e o aumento da bancada empresarial. Para o analista político do Diap Antônio Augusto de Queiroz, esse fato se deve a dois fatores principais: “o conservadorismo, de um lado. E o custo muito elevado das campanhas, de outro”, declarou.
Religião e segurança
O grande número de deputados eleitos com discurso religioso ou focado em segurança pública chamou a atenção do advogado e cientista político Rafael Favetti, especialista em relação entre Poderes.
“Os discursos da bancada evangélica e da bancada da bala estão em um aspecto mais à centro-direita do que o atual Congresso Nacional. Inegavelmente, temos um rumo de prumo um pouco mais à centro-direita do que hoje”, disse Favetti.
Para Antônio Augusto de Queiroz, essa futura configuração do Parlamento terá reflexos diretos na pauta de projetos a serem discutidos e votados nas comissões temáticas e no Plenário da Câmara. Ele acredita que terão mais peso na próxima legislatura temas como a redução da maioridade penal e o “desmonte” do Estatuto do Desarmamento, “rearmando a população”.
“O pessoal LGBT, por exemplo, terá muita dificuldade para fazer a sua pauta andar. Mesmo tendo o Jean Wyllys reeleito com uma votação muito significativa, o número de adversários que vêm é proporcionalmente muito superior”, disse Queiroz.
Poder das bancadas
No entanto, outro cientista político, Marco Aurélio Nogueira, acredita que a manutenção de PT, PMDB e PSDB como maiores partidos da Câmara pode não alterar o atual jogo político.
“Também é preciso ver qual vai ser o real poder de fogo dessas bancadas específicas e mais conservadoras. Até o fim do atual governo, muitas dessas bancadas conservadoras estiveram na base parlamentar do governo, que é um governo progressista. Então, pode ser que essas bancadas flutuem um pouco em função da agenda que o Congresso terá de examinar”, afirmou Nogueira.
Outro aspecto que deve influenciar a pauta de votação da Câmara é o aumento da fragmentação dos deputados, que, a partir da próxima legislatura, estarão distribuídos em 28 partidos, quatro a mais do que hoje. Em razão disso, Antônio Queiroz, do Diap, prevê dificuldades para o futuro governo em torno da reforma política.
“Se o sujeito consegue se eleger pelo sistema atual, dificilmente vai concordar em alterar a regra, já que o sentimento é de que [a alteração] pode dificultar a sua vida no futuro”, disse Queiroz.
Já Rafael Favetti acredita que eventuais mudanças no sistema político-eleitoral, a partir de 2015, só devem vir mesmo por meio de interferência do Judiciário. “Toda legislatura vem com promessas de mudanças nas eleições. E toda legislatura fracassa. Vendo o mapa do atual Congresso eleito, acreditamos que não há força e motivação suficiente para modificar o atual sistema. Essa força virá de fora, principalmente do Supremo Tribunal Federal”, declarou.
Como exemplo de influência do Supremo, Favetti citou a possível proibição de financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas, que está em análise no STF (ADI 4.650).
Bancada feminina
Com 51 deputadas eleitas, a bancada feminina da Câmara dos Deputados pouco cresceu em relação às eleições de 2010, quando 45 mulheres foram escolhidas nas urnas. Se, no início da atual legislatura, elas representavam 8,77% dos 513 deputados, em 2015 serão 9,94%.
O aumento não animou a coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG). “É um resultado decepcionante. Ele mostra que a política de inclusão das mulheres nas instâncias de poder está fadada ao fracasso, está falida”, avaliou a parlamentar, que foi reeleita.
Apesar da cota prevista em lei (12.034/2009) de 30% de candidaturas femininas nas eleições para deputados e vereadores, Jô Moraes acredita que é preciso uma reforma política que democratize a presença da mulher no Parlamento. As cotas, segundo ela, não geram o resultado desejado porque não são preenchidas com antecedência. “Elas são feitas de última hora, para os partidos políticos apenas cumprirem a exigência legal”, criticou.
O cientista político Antônio Queiroz, do Diap, afirma que as cotas só terão validade efetiva quando as eleições ocorrerem com base em um sistema de listas fechadas e de alternância de gêneros. “Essas mulheres foram eleitas por mérito próprio, já que os partidos não lhe deram o devido espaço.”
Queiroz acredita, no entanto, que a próxima legislatura será o despertar da participação feminina nas seguintes. Jô Moraes adiantou que a bancada estuda outras formas de inserção, como garantir a presença de mulheres nas instâncias superiores dos partidos políticos e até lançar candidaturas avulsas para os cargos da mesa diretora.
Na Câmara, tramita proposta de emenda à Constituição (PEC 590/06), da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que assegura no mínimo uma vaga para mulheres nas mesas diretoras e nas comissões da Câmara e do Senado. Com informações da Agência Câmara.
Perfil dos eleitos
Cerca de 80% (411 candidatos) dos eleitos neste domingo (5/10) para deputado federal têm nível superior;
Dos 513 deputados eleitos, apenas 5 (1%) sequer terminaram o ensino fundamental;
Dos eleitos, somente 23 candidatos (4,5%) são considerados jovens, com idade até 29 anos;
No grupo com idade entre 30 e 59 anos, o número sobe para 278 representantes eleitos, correspondendo a 73,5%, o maior índice das faixas etárias;
Acima dos 60 anos, a Câmara receberá 112 parlamentares, correspondendo a 22%;
Nascido em 1930, o deputado mais idoso eleito é Bonifácio de Andrada (PSDB-MG). Aos 84 anos, ele vai cumprir o seu nono mandato consecutivo na Câmara. Já o deputado mais jovem será Uldurico Junior (PTC-BA), de 22 anos. Agricultor, ele foi o parlamentar eleito com menos votos na Bahia;
De acordo com o registro de ocupações do TSE, 44 candidatos são advogados; 42 empresários; e 29 médicos;
Dos eleitos, 198 assumirão pela primeira vez o cargo de deputado. Outros 25, que não participaram da legislatura atual, mas já tiveram mandato em algum momento, retornarão à casa;
Esses 223 deputados correspondem a uma renovação de 43,5%;
Com a reeleição, o deputado Miro Teixeira (Pros-RJ) se tornará, na próxima legislatura (2015-2019), o parlamentar com maior número de mandatos na Câmara, 11 ao total. O parlamentar começou a carreira como deputado federal em 1971. Desde então, só deixou de estar no legislativo federal de 1983 a 1987.
Fonte: Conjur.