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A quarentena do Coronavírus no Brasil – Legislação Federal

Após abordarmos as principais regras da quarentena nos Decretos publicados pelo Município de Santa Maria/RS e pelo Estado do Rio Grande do Sul, aqui trataremos da Legislação Federal que deu amparo aos mesmos.

Diante da decisão de repatriação dos brasileiros residentes em Wuhan, na China, e a necessária quarentena e submissão compulsória destes a procedimentos médicos, quando em solo brasileiro, uma vez que a Constituição Federal consagrou o princípio da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) e o direito de livre locomoção como Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional Projeto de Lei que, aprovado, deu origem à Lei Federal nº 13.979, de 06/02/2020, que estabelece normas de isolamento e quarentena, entre outras medidas.

A partir desta Lei, foi publicado o Decreto nº 10.282, de 20/03/2020, que considera atividades comerciais essenciais, dentre outras:

a) transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo;

b) produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas;

c) serviços funerários;

d) prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;

e) transporte e entrega de cargas em geral;

f) produção, distribuição e comercialização de combustíveis e derivados;

g) produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo.

Também considerou essenciais as atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva relativas ao exercício e ao funcionamento destas atividades, proibindo a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento das mesmas, e de cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população.

Recentemente, incluiu como essenciais, através do Decreto nº 10.292/2020, de 25/03/2020, dentre outras, as atividades:

a) de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos;

b) atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde;

c) unidades lotéricas.

Portanto, embora a Constituição Federal reconheça, em tempos de normalidade, a advocacia privada como indispensável à administração da justiça, esta não foi incluída como essencial em tempos de Coronavírus, o que nos parece um contrassenso, uma vez que permanece ativa, trabalhando em regime de home office, em contato diário e próximo de seus clientes, buscando soluções a curto, médio e longo prazo para os problemas e dificuldades que decorrerão desta crise.

Quanto às atividades religiosas, como vimos nos artigos anteriores, que trataram dos Decretos do Município de Santa Maria e do Estado do Rio Grande do Sul, que haviam sido suspensas, em face da aglomeração de pessoas, podendo as igrejas e templos de qualquer culto permanecerem abertos à visitação, desde que impeçam aglomerações e se responsabilizem pela higienização das áreas comuns (no Decreto Municipal) ou proibidas, em missas e cultos com mais de trinta pessoas (no Decreto Estadual) hoje estão permitidas, desde que observem as determinações do Ministério da Saúde.

Como referido no artigo que tratou dos Decretos do Estado do RS, o Governador já informou, em entrevista à imprensa, que alterará o Decreto de Calamidade, não mais proibindo a realização de missas e cultos religiosos com mais de trinta pessoas, mas impondo restrições à atividade, limitando a lotação dos templos a 25% da capacidade aprovada em seus alvarás.

Em consequência da declaração de essencialidade das atividades religiosas pelo Decreto Federal, e aqui não há qualquer juízo de valor acerca do acerto ou não da norma, parece certo que fica revogada o Decreto do Município de Santa Maria no que se refere a este tema específico, cabendo, quando muito, a limitação de lotação, como fez o Governador do Estado.

Tais conclusões decorrem da lógica piramidal em que estão construídas as normas, criada pelo jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, baseada no princípio da hierarquia existente entre as normas legais, atribuindo ao topo dessa pirâmide a norma maior, que é a Constituição Federal, seguida das Leis Complementares e assim por diante, de modo que não pode a legislação municipal contrariar a estadual, e a estadual contrariar a federal.

Essa é a lógica.

Infelizmente vivemos uma situação que inverteu a lógica, com evidentes conflitos entre Prefeitos e Governadores, em menor número é bem verdade, e entre Governadores e Presidente da República. Não sabemos até que ponto os gestores “de menor patente” cumprirão as normas federais, fazendo valer as próprias normas, com vista à proteção de suas populações, conduta, a princípio, elogiável, porque não há dúvida que tem uma intenção positiva como princípio (até prova em contrário), mas que pode colocar em risco o próprio pacto federativo, o que é preocupante.

 Ricardo Luís Schultz Adede y Castro – OAB/RS 58.941

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